sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Dois filhos, um mesmo coração

Texto bíblico: Lc 15: 11-32
Escrito por: Rogério Jardim
Há alguns dias atrás passando por alguns canais na TV despertou minha atenção com a chamada que era feita num programa "evangélico", a chamada era a seguinte: EXIJA SEUS DIREITOS AO PAI. 

Vendo isso me lembrei de algumas lições valiosas que aprendi com meu pai na minha infância. Entre elas, lembro que sempre que íamos ao mercado para fazer as compras do mês, como toda criança pedinchona, meu irmão e eu já íamos com os planos feitos de tudo que pediríamos. Mas na grande maioria das vezes todo o nosso planejamento dava errado, pois quando trazíamos para o carrinho os itens que queríamos meu pai perguntava: VOCÊS REALMENTE PRECISAM DISSO? Já estou levando tudo o que vocês precisam e isso não é necessário.

O texto do médico historiador Lucas conta a história, narrada por Jesus, do convívio de um pai com seus dois filhos, quando num determinado momento um deles pensando ter o direito de exigir do pai a sua parte na herança sai da casa do pai e se perde em suas convicções de vida, as quais o pai havia estabelecido durante todo o tempo de sua convivência. Essa narrativa, bastante conhecida, nos revela algumas verdades que se lermos de uma forma superficial podem ficar perdidas. Essa passagem bíblica, se observada, é dividida em duas partes.



A primeira parte dos versículos 11 a 24 que mostra as ações de um pecador quando vive afastado de Deus, bem como as ações de Deus para com ele. A segunda parte dos versículos 25 a 32 mostra a condição da classe política religiosa que estabelecia suas regras de fé e de um bom viver moral e social naquela época, chegando ao ponto de serem mais legalistas, orgulhosos e odiosos do que misericordiosos para com aqueles que precisavam de misericórdia.

Esse relato bíblico na maioria das vezes é utilizado para fazer referência àquela pessoa que se afasta da presença de Deus, e depois de ter andado longe do Senhor se arrepende e volta para a casa do pai, que pode ser a igreja e o meio cristão de onde saiu um dia assumindo novamente uma forma de vida pacifica e obediente á ele. Mas retornando encontra resistência por parte de alguns daqueles que o conheceram antes de sua ação decadente. Não que essa abordagem esteja errada, pois ela pode sim muito bem exemplificar esse tipo de conduta ou pessoa. Mas se observarmos atentamente as palavras de Jesus e seu contexto histórico, encontraremos algumas surpresas bastante esclarecedoras quanto ao que Jesus estava querendo mostrar para aqueles que o ouviam.

As pessoas que ouviam o sermão de Jesus conheciam muito bem os costumes, tradições e regras que compunham as formas moral e religiosa de viver. Percebemos que antes de falar sobre o filho pródigo, Jesus já estava desenvolvendo um diálogo com aquelas pessoas sobre o assunto, quando fala antes da parábola da ovelha perdida e posteriormente da parábola da drácma perdida. A palavra central de Jesus para aquelas pessoas era adverti-los quanto a fácil possibilidade de alguém se perder do propósito divino.

Pelo fato das pessoas conhecerem suficientemente suas tradições certamente elas ficam perplexas quando ouvem Jesus começar a lhes narrar a história do filho pródigo, pois Jesus começa dizendo que o filho mais novo exigiu do pai a parte dos bens que lhe pertencia e o pai repartiu entre os dois filhos os seus bens (
Lucas 15: 12). De acordo com Deuteronômio 21: 17 e com o talmude, onde se encontram as regras e tradições judaicas, os filhos não tinham nenhum direito aos bens do pai, a não ser depois da sua morte. Somente seria dado ao filho antes de sua morte se assim o pai quisesse. Ainda assim quem teria a primazia na divisão dos bens seria o filho mais velho, o qual receberia o dobro da partilha, ficando apenas 1/3 para o mais novo. Desta forma com a exigência que fora feita, era o mesmo que se o filho mais novo desejasse a morte do pai para poder assim se apossar dos seus bens.

Ao tomar posse da parte dos bens que o pai lhe concedeu a parábola proposta por Jesus mostra que o jovem se desgraçou com a fortuna que adquiriu ao ponto de depois de desperdiçar tudo assume uma postura de empregado, pedindo emprego a estranhos para não passar fome. Ao assumir essa posição ele faz uma coisa que Deus havia proibido. Todo judeu rejeitava tanto o convívio quanto a alimentação da carne do porco (Levíticos 11:7) e é exatamente isso que ele passa a fazer, cuidar de porcos e se alimentar com os restos de comida que era reservada a eles.

Para os judeus, principalmente daquela época, a alimentação da carne suína já era um dos piores pecados que se podia cometer, mas o fato de alguém criar porcos ou simplesmente conviver perto era a posição mais degradante que se podia atingir. Tamanha afronta isso representava que existe um provérbio judeu que diz o seguinte: “Maldito seja o homem que cria porcos, bem como o homem que ensina ao seu filho a sabedoria dos gregos”.

Essa atitude inconsequente do filho mais novo poderia ser evitada, e isto estava ao alcance do irmão mais velho, pois segundo as tradições numa situação onde fosse percebido que o irmão mais novo estivesse procedendo de forma errada o irmão mais velho poderia instruir o mais novo a não cometer tal deslize. Porém Jesus não revela essa atitude do irmão mais velho, inclusive no final dessa história é que pode se perceber que o irmão mais velho não teve essa motivação em nenhum momento, pois a motivação que estava no coração do irmão mais novo era a mesma dele, ou seja, usufruir de forma indiferente das posses do pai.

“Tendo caído em si...” Alguns estudiosos da tradição judaica defendem que essa expressão não revela um gesto de arrependimento, pois ela se adequa a uma percepção de falha momentânea numa situação corriqueira e não ao sentimento de arrependimento por uma atitude que resultou ou poderia resultar em algo mais grave. Exemplo disso, sair de casa pela manhã para trabalhar e deixar uma panela de feijão o dia todo fora da geladeira, por esquecimento, num dia de calor intenso. Ao retornar para casa encontra o feijão azedo, percebe o que fez e se questiona: Como é que eu pude fazer isso? ou, Eu não acredito que fiz isso.

Diante dessa percepção o moço idealiza a volta para a casa do pai. Como escrevi no inicio, não que essa história não possa se aplicar num exemplo de alguém que percebe o pecado que cometeu e reconhece que precisa ser redimido por tal erro, mas essa história proposta por Jesus nos mostra dois lados. De acordo com a própria tradição não se vê essa expressão como sinal de arrependimento profundo e sincero, sendo assim entende-se que Jesus podia estar propondo uma outra reflexão para aquelas pessoas.

Quando o jovem cai em si e se fraga da besteira que fez, abandonando a casa do pai e lhe exigindo o que não lhe era de direito, a primeira coisa que ele pensa é na forma de poder retornar á casa do pai, de onde saiu. Mas como voltar se sabia que havia quebrado todas as regras de sua tradição? Percebe-se que o jovem podia não estar tão arrependido quando se coloca na posição de empregado e não de filho para poder ser recebido novamente pelo pai.

O fato de ser recebido como empregado pode nos fazer refletir na nossa forma de como queremos viver uma vida com o nosso pai celeste. Quando Jesus relatou essa história a forma de empregados e filhos viverem tinham suas diferenças. Uma das condições para alguém ser aceito e viver como um empregado na casa de seu senhor era aceitar que não receberia pagamento, apenas um lugar para dormir, comida e roupa. Em troca disso esse indivíduo trabalharia nessa casa para recompensar todo o favor que lhe era dispensado, mas não teria vinculo nenhum como membro da família. Em contrapartida o filho tinha vinculo, com direito a se assentar a mesa e participar de qualquer ritual ou cerimônia cultural ou familiar que houvesse, também tinha direitos como membro da família, mas a posição de filho também lhe exigiria bastante.

Ao pensar que seu pai poderia lhe receber como empregado e não como filho pode não estar mostrando um verdadeiro arrependimento, senão uma forma conveniente de voltar a viver na casa do pai. Essa consideração é muito triste, pois o interesse do moço não era de viver e servir ao pai como filho compromissado com a aliança paternal e familiar, mas simplesmente como alguém que não precisa desse vínculo, apenas ao que lhe pudesse ser oferecido, e o que lhe sobrasse poderia servir para suprir uma necessidade momentânea, e não a sua existência.

Como se não bastasse decepcionar o pai com a atitude que teve este filho também faz o pai passar uma grande vergonha. De acordo com a história e suas tradições jamais se veria um homem de posição elevada ou um homem já maduro e honrado, por já ter uma família sobre sua responsabilidade ou negócios, abrir um sorriso perante crianças ou mesmo em público, pois isso seria uma desonra para ele. O que dizer então de um homem nessa posição fazer algo extravagante como correr atrás de um filho ou de encontro a ele. Isso era uma atitude de moleque, pois só moleque corria pela rua. Mas é exatamente isso que aquele pai faz ao avistar de longe seu filho que se aproximava, sai correndo ao seu encontro.

Mesmo o filho fazendo o pai passar por esse constrangimento esse pai não liga para o que os outros vão pensar, o que importava naquele momento era que de longe ele via alguém idêntico ao que tinha lhe abandonado, mas estava retornando, um pouco diferente. Com barba por fazer, com as roupas já bastante velhas e sujas, com os cabelos bastante bagunçados e sem corte nem higiene, mas era o seu filho que estava voltando e isso era o que importava. Acredito que o pai sabia da verdadeira motivação do retorno do filho, pois voltar como empregado aquele filho só conseguiu concluir no seu momento de reflexão.

Quando o filho retorna seu pai lhe abraça e lhe beija sem se importar com o que os outros estavam pensando a respeito de sua reputação como homem e como pai, e quando o filho finalmente começa a falar a justificativa ensaiada, o pai lhe interrompe exatamente no momento em que ele se ofereceria como empregado e não como filho. Dá tempo apenas para o filho dizer que havia pecado contra o pai, e este imediatamente manda lhe trazer novas roupas, calçados e o seu anel, para mostrar que ele era um membro da família.

O mais interessante de toda essa história é que em nenhum momento o pai deixou se levar pela falsa motivação do coração desse filho, ao invés disso lhe motiva a um verdadeiro arrependimento com sua ação constrangedora de amor e benevolência. O fato de lhe conceder novas roupas, calçados e anel o pai estava devolvendo ao filho o que ele havia perdido, ou seja, sua honra, identidade e liberdade. Nos tempos antigos uma das formas de perceber que alguém era honrado podia ser por uma roupa diferente das demais, como no caso de José (Gênesis 37: 3,4), a liberdade representada através dos calçados uma vez que somente escravos viviam descalços, e o anel sendo uma forma de identidade como era de costume na maioria das vezes usados por reis, ou mesmo por lideres, identificando quem eram e de onde eram.

Finalmente num momento de tantas alegrias o pai percebe que o filho mais velho não está presente para presenciar a volta do irmão mais novo, em vez disso está de longe assistindo tudo de forma descontente. A atração da festa não parece ser o filho perdido e sim o mais velho, pois o pai precisa ir encontrar esse filho descontente para lhe fazer um apelo de participar daquele momento de alegria demonstrando sua gratidão e amor pela vida do irmão. Aí vem o final de toda essa história narrada por Jesus.

Se observarmos atentamente Jesus estava se utilizando dessa historia para falar do comportamento daquela classe política - religiosa formada principalmente pelos fariseus, saduceus e escribas, com relação aos gentios e até mesmo de alguns judeus que não eram aceitos por eles pelo fato de servirem ao império romano, como no caso de Levi (Lucas 5: 27–32) e Zaqueu (Lucas 19: 1–10), mas ainda assim o amor do pai lhes alcançou e mudou suas vidas. A atenção era mais voltada para as praticas já mal sucedidas desses lideres religiosos, uma vez que ainda preservavam a lei estabelecida por Moisés, do que ao verdadeiro modo de agradar a Deus, o qual Jesus estava apresentando como sendo essa única forma de salvação.

A história da humanidade fica retratada aqui na história desses dois filhos, pois na verdade a história do filho pródigo é uma daquelas que termina sem um final. Por quê? Porque na verdade a história termina apenas com apelo do pai para o filho mais velho, mas sem a resposta do mesmo para o pai. Isso pode nos fazer refletir na resposta que o pai tem esperado até hoje de muitos daqueles filhos que hoje estão na sua casa, mas não com a motivação de servi-lo como filhos ternos e gratos, mas apenas pelo que podem usufruir desse pai bondoso. Na grande maioria das vezes muitos desses filhos sentem-se no direito de exigir que o pai lhes dê coisas que ele nunca consentiu de dar.

O que existia de mais difícil do pai dar a nós, filhos, ele já nos deu. Não tínhamos direito a sua herança por sermos ainda pecadores, mas ele morreu para que com sua morte pudéssemos herdar a maior herança que poderíamos ter: Uma vida de salvação eterna com o pai.

Seja esse o nosso verdadeiro regozijo, vivermos n’Ele e para Ele.

Que Deus abençoe sua vida.


#VoltemosAoVerdadeiroEvangelho


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